Com a disseminação de novas, e perigosas, drogas sintéticas, grupos vão a festas para oferecer a jovens que estão “tomando algo” testes que podem evitar a morte.

EM MEIO a centenas de jovens que dançam numa festa ao som de música eletrônica, um desfila com uma plaquinha nas mãos. Em letras coloridas, anuncia: “Tá tomando algo, vem testar com a gente”. Mais de 100 participantes aceitaram a oferta numa festa recente nos arredores de São Paulo e entregaram a um grupo de amigos o “algo” que iriam tomar: um comprimido de ecstasy, por exemplo — ou que pelo menos lhes foi vendido como tal. Nem sempre anunciada com seu nome verdadeiro, uma geração de novas drogas sintéticas vem se disseminando no Brasil. Sintetizadas em laboratórios da China e do sudeste da Ásia, elas são mais baratas, mais potentes e muito mais perigosas que suas congêneres conhecidas. O trabalho do grupo da festa tem por objetivo evitar que a troca de gato por lebre termine em tragédia.

O principal representante dessa nova categoria de drogas é o NBOMe, que tem como princípio ativo a substância dimetoxifeniletilamina. Na palma da mão, é quase idêntico a um selo de LSD, o ácido lisérgico que circula desde os anos 1960. Em São Paulo, nove em cada dez selos apreendidos pela polícia como LSD não contêm uma partícula sequer do composto: são NBOMe, segundo o Instituto de Criminalística.

Caio D., de 18 anos, foi uma das vítimas da droga. Em 22 de dezembro de 2014, pouco antes de começar o 2º ano na Faculdade de Direito São Francisco, ele teve um surto, saiu correndo de seu quarto e se jogou para a morte saltando da varanda da cobertura em que morava com os pais, em Santos. Testes mostraram que Caio estava sob efeito de NBOMe, adquirido de um traficante pelo Facebook.

PESQUISA

A droga é a mesma encontrada no corpo do estudante Victor Hugo Santos, 20 anos, que morreu afogado na raia olímpica da USP, em setembro de 2014, numa festa no velódromo da universidade. Vídeos, com fins menos trágicos, de jovens fora de si depois de usar essas drogas circulam nas redes sociais. Estrela à revelia de um deles, com mais de 4 milhões de visualizações, o estudante Felipe, de 18 anos, relembra: “Estava na festa, tranquilo, curtindo o barato e a conexão com a música. Quando saí para comprar água, pisquei o olho e já não me lembro de mais nada. Tive um surto psicótico”.

Para os traficantes, as novas drogas só têm vantagens. Com a velocidade com que elas surgem e se disseminam, a lei muitas vezes não consegue alcançá-las. Se um criminoso é pego com uma droga ainda não catalogada e proibida, suas chances de escapar da punição aumentam muito. O NBOMe, por exemplo, só foi oficialmente proibido em 2014.

Em festivais de música eletrônica europeus e americanos, é comum a presença de testadores de drogas. No caso da festa nos arredores de São Paulo, a iniciativa foi de um grupo que não quer se identificar por receio de complicações legais, pois a atividade de prevenção de acidentes com drogas permanece na zona cinzenta da falta de regulamentação. O teste é rápido. O profissional pinga uma gota de reagente no comprimido e, ao lado do usuário, observa sua cor mudar. Uma tabela informa o significado de cada cor. No caso do ecstasy, o produto deve ficar roxo. Amarelo significa que a substância dominante não é o MDMA, mas metilona — substituto mais barato e mais tóxico para a base do ecstasy.z A cor verde indica que o comprimido é, na verdade, 2C-I (4iodo-2,5-dimetoxifeniletilamina) ou 2C-B (4-bromo-2,5-dimetoxifeniletilamina), que podem causar alucinações intensas e ataques de pânico. Se a cor não muda, significa que não havia nenhuma dessas drogas ali e o produto podia não passar de placebo. Na festa do começo desta reportagem, a maior parte dos jovens desistiu de tomar o que tinha comprado quando descobriu o que havia lá. Mas outros foram em frente mesmo assim.

De 2009 a 2014, o número de novas drogas sintéticas no mundo pulou de 126 para 450. No Brasil, a Anvisa incluiu 36 novas substâncias na lista de entorpecentes em 2014, o quádruplo do registrado nos cinco anos anteriores. Diz José Luiz da Costa, professor de toxicologia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp: “É um ritmo difícil de acompanhar. A cada ano, dezenas de novas substâncias aparecem no lugar das antigas”. Experimentá- las é um salto no escuro do qual muitos jovens não voltarão.

TESTE

Autor: Kalleo Coura
Revista Veja São Paulo Ed. 2487